Por mais de 50 anos, ele viajou profundamente no coração da América. Mas com seu novo especial na Netflix — um filme de seu intenso, poderoso show de um homem só na Broadway — Bruce Springsteen revela que sua mais corajosa jornada tem lutado com sua própria saúde mental.
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Matéria por:Michael Hainey
A primeira vez que eu encontrei Bruce Springsteen foi nos bastidores do teatro Walter Kerr em Nova Iorque, onde ele está na reta final de seu show de um homem só, Springsteen On Broadway. Foram apenas algumas semanas antes de eu sentar com ele para uma entrevista, mas seu assessor me pediu para chegar antes de sua apresentação para que ele, eu deduzo, me conhecesse melhor. Eu chego ás 7 e sou conduzido para um pequeno sofá perto do banheiro dos bastidores. Finalmente, cinco minutos antes das cortinas se abrirem, eu vejo, descendo as escadas que levam ao vestiário, um par de botas pretas e jeans escuro. Springsteen abaixa a cabeça para desviar de um arco baixo e anda na minha direção, estendendo sua mão e dizendo, 'Sou o Bruce.' Nos cumprimentamos, e há um silêncio. Ele olha para mim e eu para ele, sem saber o que dizer. Com 1,77 cm, ele é mais alto do que você imagina; de algum jeito, ele continua sendo o garoto magricela de jaqueta de couro, possivelmente diminuido em nossas mentes devido aos anos em que ele passou inclinado em Clarence Clemons.
Naquela noite, Springsteen está a semanas de seu sexagésimo-nono aniversário. E enquanto estamos lá, é impossível não pensar que a jornada que ele empreendeu nessa década de sua vida tenha sido nada menos do que miraculosa. Ele entrou nos sessenta lutando para sobreviver a uma incapacitante depressão, e agora ele está se aproximando dos setenta de maneira triunfante — principalmente graças ao seu poderoso e íntimo show, que não é um concerto mas um monólogo épico-dramático, pontuado com suas músicas. Após um ano de shows esgotados, ele vai concluí-lo em 15 de dezembro, a mesma noite em que o show vai estrear no Netflix como filme. Ele pelo menos quebra o silêncio constrangedor dando um pequeno aceno com a cabeça e dizendo para mim — mas mais para ele próprio, assim como nós dizemos para nós mesmos quando saímos de casa pela manhã — 'Bem, acho melhor eu ir trabalhar.' E com isso ele caminha em direção ao palco pela direita.
"DNA". Essa é, curiosamente, a primeira palavra que Springsteen diz quando ele toma o palco. Uma improvável, não-romântica, não-poética escolha pra um homem que sempre foi mais 'sentidos' do que ciência. No entanto, em muitos sentidos, o DNA é o antagonista implacável de Springsteen, a co-estrela que ele batalha contra. Essa é a tensão central de Springsteen On Broadway: o eu que sentimos condenados a ser através do sangue e da família versus do eu que podemos — se tivermos coragem e desejo — transformar em realidade. Springsteen, como ele revela aqui, tem gastado sua vida inteira lutando com essa questão que assombra tantos de nós: Serei eu confinado pelo meu DNA, ou eu definirei quem eu sou?
Alguns minutos depois, no show, ele fala sobre o momento que ele abriu os olhos para o que era possível se alguém acreditasse no poder da autocriação. É uma noite de domingo em 1956, e um Springsteen de quase sete anos de idade está sentado em frente a TV com sua mãe, Adele, na sala de estar da pequena casa de quatro cômodos em Freehold, Nova Jérsei, que ele vive com seus pais e irmã. Essa é a noite em que ele vê Elvis Presley. Naquele momento, quando ele recebe aquela visão, ele percebe que há um outro jeito, que ele pode criar uma identidade à parte do 'buraco negro sugador, sem vida' que é sua infância.
'Tudo o que você precisa fazer,' Springsteen diz quando ele desembrulha a lição que Elvis ensinou-o, "era arriscar ser seu verdadeiro eu".
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"Sim..", diz Springsteen quando eu sento com ele um par de semanas depois e o digo que parece que a questão essencial do seu show é "Estamos interligados pelo o que corre em nossas veias?" Ele olha para a esquerda onde fica o espelho de seu camarim, cuja superfície é repleta de fotografias, muito como um espelho de um quarto de um adolescente é. Dentre as imagens: John Lennon em sua camiseta NEW YORK CITY. Um jovem Paul McCartney. Patti Smith. Johnny Cash. Eles são, como Springsteen me diz depois, "os ancestrais". É nesse espelho e nessa direção que Springsteen muitas vezes olha enquanto responde minhas perguntas. Ele é um ouvinte profundo e age com intenção. Ele tem uma natureza calma e possui uma voz baixa, suave. Ele tem uma tendência de se autodepreciar, rotulando certos pensamentos de "tolos". Ele sorri facilmente e gosta de beber Ginger Ale. Às vezes antes de contar algo pessoal, ele solta uma pequena e nervosa risada. Acima de tudo, ele fala com a sinceridade de um homem que tem passado por mais de três décadas por análise — e diz que ela salvou sua vida.
Seu camarim apertado mais parece um 'escritório' que o superintendente do seu prédio de apartamentos pré-guerra constrói para si mesmo no porão, próximo da caldeira. Muito do que se tem parece reaproveitado. Há um sofá de couro marrom e uma mesa de café surrada. Pregada acima do sofá há uma bandeira americana de 48 estrelas desbotada e um pouco de pisca-pisca Natalino. Springsteen senta no sofá antes de mim, vestido em um jeans negro e um camisa branca de gola-V que revela uma leve cicatriz na base do pescoço — a cicatriz que resta de alguns anos atrás, quando cirurgiões o cortaram para reparar uma deterioração de alguns discos cervicais no seu pescoço que estavam causando uma dormência no lado esquerdo de seu corpo. No seu dedo anelar direito ele tem um anel em forma de ferradura de cavalo.
Finalmente, ele fala.
'O DNA é uma grande parte da questão central do show: tornar-se um agente livre. Ou, o tanto quanto você puder, em um adulto, por falta de uma palavra melhor. É uma história de amadurecimento, e eu quero mostrar como isso — o amadurecimento de alguém — tem de ser conquistado. Não é dado pra ninguém. É preciso um certo propósito único. É preciso uma autoconsciência, um desejo de ir até lá. E a vontade de confrontar todos os elementos assustadores e perigosos da sua vida — seu passado, sua história — que você precisa confrontar para se tornar o mais próxima de um agente livre que você puder. É sobre isso que o show é... Sou eu recitando minha 'Canção de Mim Mesmo'.''
"Meu pai era muito desdenhoso de quem eu era.
E isso te envia em uma busca ao longo da vida para resolver isso."
Mas como você aprende após passar um tempo com ele, há o que está na superfície e então há o que está por baixo. Pois o show é também sobre outras tensões: solidão versus amor (a habilidade de dar tão bem quanto receber); o psicológico versus o espiritual; a força da morte versus a força da vida; e, mais do que tudo, o pai versus o filho. Sim, é sobre seu pai — e a busca de Springsteen para encontrar paz com o homem que criou ele, porém, de muitas maneiras, quase o destruiu. Aqui vai Springsteen descrevendo em sua autobiografia, Born to Run, como ele se via como um jovem rapaz, e como seu pai o percebia:
Estranho e maricas. Exilado. Alienado. Alienando. Tímido. Sonhador de coração mole. Uma mente que sempre duvida. A solidão do parquinho. "Eu tinha uma delicadeza, uma timidez e uma insegurança sonhadora. Essas eram todas as coisas que eu usava do lado de fora e o reflexo dessas qualidades no seu menino repelia meu pai. Deixou ele com raiva."
Ele me diz que seu pai o deixou envergonhado por não ser duro como ele, mas mais parecido com sua mãe. "Minha mãe era gentil e compassiva e muita atenciosa com os sentimentos dos outros. Ela atravessou o mundo com propósito, mas suavemente, levemente. Todas essas eram as coisas que alinharam com meu próprio espírito. Aquilo era quem eu era. Elas vieram naturalmente a mim. Meu pai olhava todas essas coisas como sinal de fraqueza. Ela era muito desdenhoso de quem eu era. E isso te envia em uma busca ao longo da vida para resolver isso".
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Doug Springsteen era um homem corpulento que Springsteen relembra como "cento e quatro quilos de níqueis em calças Sears" e, em um certo ponto, como tendo a "face de satanás." Ele trabalhou em diversos serviços de colarinho branco, de garoto faz-tudo até motorista de ônibus, ainda que sua ocupação principal não estava fora de casa mas sim dentro; ele dominava a casa da família, governando seu pequeno reino com silêncio e ameaça. Seu trono era sua cadeira na mesa da cozinha. Noite após noite, ele sentaria na escuridão, bebendo e matutando. "Era,' Springsteen escreve, "o vulcão silencioso e adormecido da vigília noturna do velho na cozinha, a quietude cobrindo uma raiva vermelha e turva. Tudo isso sentado no topo de um mar de medo e depressão tão vasto que eu ainda não havia começado a contemplar."
Quando eu pergunto sobre sua infância ele me diz, "Havia uma casa — e então havia o que estava acontecendo na cozinha. E quando você entrava na cozinha, a força do que estava rolando era intimidante. Mas você tinha que lidar com aquilo. Então a cozinha se tornou carregada de significado e perigo. Era um lugar escuro e quieto. O ar era denso. Tão denso. Como nadar sobre melaço escuro. Você tinha que seguir seu caminho para entrar e para sair — sem perturbar, ou chamar muita atenção para si."
Eu digo a ele que acho interessante ele ter quebrado aquele silêncio com rock and roll. Um barulho alegre.
"Quando eu era criança, e na adolescência," ele diz, "eu me sentia um barco muito, muito vazio. E foi só quando eu comecei a preenchê-lo com música que eu comecei a sentir meu poder pessoal próprio e meu impacto em meus amigos e o pequeno mundo no qual eu estava. Eu comecei a ter algum senso de mim mesmo. Mas saiu de um lugar de vazio real." Ele pausa. "Eu fiz música para aquela cozinha. Vá para Nebraska e ouça-a. Mas eu também fiz música para a parte da casa da minha mãe, que era bastante alegre e brilhante." Ele prende os olhos em mim. "Você tem que tirar uma pessoa de todas as coisas que lhe foram entregue."
Foi da distância e silêncio de seu pai que Springsteen se rebelou, mas foi a identidade de seu pai que ele abraçou. Pois quando Springsteen decidiu adotar uma identidade rock and roll, o que ele fez? Ele roubou a roupa de trabalho de seu pai e sua personalidade — se Doug Springsteen não amaria seu verdadeiro filho, talvez pelo menos ele amaria um reflexo de seu filho como ele mesmo.
Um dos trechos mais cruéis do show vem quando ele canta "My Father's House" ("A casa do meu pai"), de seu sexto álbum, Nebraska. Depois, ele fala de ainda, e para sempre, ser um menino que anseia pelo amor de seu pai: "Daqueles cujo amor nós queremos mas não temos, nós os imitamos. É nosso único jeito de consegui-lo. Então, quando chegou a hora, eu escolhi a voz do meu pai por que era algo sagrado para mim." Ele pausa. "Tudo que sabemos sobre masculinidade é o que aprendemos com nossos pais. E meu pai era meu herói, e meu maior inimigo."
Como muitos de nós, no entanto, por escolher refletir a identidade de alguém que cujo amor ausente ele ansiava, Springsteen acabou não sabem quem ele era. Ele passou grande parte da vida com medo de amar ou de ser mais do que um observador. Não é surpreendente que ele tenha escapado.
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O primeiro colapso de Springsteen chegou na casa dos trinta e dois, na época que ele lançou Nebraska. É 1982, e ele e seu amigo Matt Delia estão dirigindo de Nova Jérsei para Los Angeles em um Ford XL 1969. Em um fim de noite de verão, no remoto Texas, eles atravessam uma pequena cidade onde uma pequena feira está acontecendo. Uma banda toca. Homens e mulheres se abraçam e dançam bem devagarinho, felizes, debaixo das estrelas. Crianças correm e riem. Da distância do carro, Springsteen contempla toda a vida e felicidade. E então: Algo nele se abre. Como ele escreve, nesse momento sua vida como "um observador... distante da bagunça normal de viver e amar, revela seu custo para mim." Após todos esses anos, ele ainda não sabe exatamente por que ele caiu em um abismo naquela noite. "Tudo o que eu sei é que conforme envelhecemos, o peso da nossa bagagem desarrumada se torna mais pesada... muito mais pesada. Com cada passagem de ano, o preço da nossa refusa por fazer essa arrumação cresce mais e mais... Há muito tempo atrás, as defesas que eu construí para suportar o estresse da minha infância, para salvar o que eu tinha de mim mesmo, duraram mais tempo do que sua utilidade, e eu me tornei um abusador dos seus poderes, que por algum tempo eram salvadores de vida. Eu confiei neles de maneira errada para me isolar, selar minha alienação, me isolar da vida, controlar os outros, e conter minhas emoções para um grau prejudicial. Agora o cobrador está batendo na porta, e seu pagamento será em lágrimas."
Esse colapso o enviou para análise. Ela — e o trabalho que ele fez consigo mesmo — transformou sua vida. Ele se tornou o homem que queria ser, mas não sabia como se tornar. O desejo de Springsteen para compartilhar seus demônios, e para argumentar a necessidade que ele acredita todos nós termos de confrontar nós mesmos — essa é um dos maiores poderes de seu show. Nós ignoramos nossos demônios, ele diz, por nossa conta e risco. O show é, como ele chama, "um truque de mágica". Mas de outra forma, como eu digo a ele, é um show de renascimento — não só ele energizando a plateia através do poder de suas canções afirmatórias; é também um show de auto-renascimento. Esse é o trabalho de um homem revelando suas falhas para que ele possa nos inspirar a nos redimirmos.
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Quase uma década após aquela noite no Texas, Springsteen está em sua casa em Los Angeles. Ele está vivendo com Patti Scialfa, e eles estão a dias de dar as boas vindas ao seu primeiro filho, Evan. É manhã, e alguém bate na porta: seu pai. Springsteen convida-o para entrar, e ele e seu pai se sentam na mesa. É aqui, em sua casa, que seu pai conta para ele. "Você tem sido muito bom com a gente." Springsteen não tem palavras. Só consegue acenar com a cabeça. Então seu pai diz, "E eu não fui muito bom com você."
"Foi," Springsteen diz no show, "o melhor momento da minha vida, com meu pai. E foi tudo o que eu precisava... Aqui nos últimos dias antes de eu me tornar pai, meu próprio pai estava me visitando, pra me alertar dos erros que ele cometeu, e pra me alertar de não cometê-los com meus filhos. Para libertá-los das correntes de nossos pecados, os do meu pai e meus, que eles talvez sejam livres de fazer suas próprias escolhas e viver suas próprias vidas." Mais tarde na vida de seu pai, Springsteen recebeu uma resposta que o deu uma visão ainda mais profunda. Ele aprendeu que todas aquelas noites em que Doug Springsteen sentava sozinho, pensando, quieto, na escuridão da cozinha, ele era um homem perdido. Um homem que seria diagnosticado como um esquizofrênico paranóico. O diagnóstico deu a Springsteen contexto para sua infância. Mas também deu a ele um novo medo.
Como Springsteen me confessa, "Eu cheguei perto suficiente de [doença mental] onde eu sabia que não estava completamente bem comigo mesmo. Eu tive que lidar muito com isso ao longo dos anos, e eu tomo uma variedade de medicações que me mantém em equilíbrio; caso contrário eu posso mudar drasticamente e... simplesmente... posso sair um pouquinho do trilho.
Quando eu pergunto sobre sua infância ele me diz, "Havia uma casa — e então havia o que estava acontecendo na cozinha. E quando você entrava na cozinha, a força do que estava rolando era intimidante. Mas você tinha que lidar com aquilo. Então a cozinha se tornou carregada de significado e perigo. Era um lugar escuro e quieto. O ar era denso. Tão denso. Como nadar sobre melaço escuro. Você tinha que seguir seu caminho para entrar e para sair — sem perturbar, ou chamar muita atenção para si."
Eu digo a ele que acho interessante ele ter quebrado aquele silêncio com rock and roll. Um barulho alegre.
"Quando eu era criança, e na adolescência," ele diz, "eu me sentia um barco muito, muito vazio. E foi só quando eu comecei a preenchê-lo com música que eu comecei a sentir meu poder pessoal próprio e meu impacto em meus amigos e o pequeno mundo no qual eu estava. Eu comecei a ter algum senso de mim mesmo. Mas saiu de um lugar de vazio real." Ele pausa. "Eu fiz música para aquela cozinha. Vá para Nebraska e ouça-a. Mas eu também fiz música para a parte da casa da minha mãe, que era bastante alegre e brilhante." Ele prende os olhos em mim. "Você tem que tirar uma pessoa de todas as coisas que lhe foram entregue."
Foi da distância e silêncio de seu pai que Springsteen se rebelou, mas foi a identidade de seu pai que ele abraçou. Pois quando Springsteen decidiu adotar uma identidade rock and roll, o que ele fez? Ele roubou a roupa de trabalho de seu pai e sua personalidade — se Doug Springsteen não amaria seu verdadeiro filho, talvez pelo menos ele amaria um reflexo de seu filho como ele mesmo.
Um dos trechos mais cruéis do show vem quando ele canta "My Father's House" ("A casa do meu pai"), de seu sexto álbum, Nebraska. Depois, ele fala de ainda, e para sempre, ser um menino que anseia pelo amor de seu pai: "Daqueles cujo amor nós queremos mas não temos, nós os imitamos. É nosso único jeito de consegui-lo. Então, quando chegou a hora, eu escolhi a voz do meu pai por que era algo sagrado para mim." Ele pausa. "Tudo que sabemos sobre masculinidade é o que aprendemos com nossos pais. E meu pai era meu herói, e meu maior inimigo."
Como muitos de nós, no entanto, por escolher refletir a identidade de alguém que cujo amor ausente ele ansiava, Springsteen acabou não sabem quem ele era. Ele passou grande parte da vida com medo de amar ou de ser mais do que um observador. Não é surpreendente que ele tenha escapado.
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O primeiro colapso de Springsteen chegou na casa dos trinta e dois, na época que ele lançou Nebraska. É 1982, e ele e seu amigo Matt Delia estão dirigindo de Nova Jérsei para Los Angeles em um Ford XL 1969. Em um fim de noite de verão, no remoto Texas, eles atravessam uma pequena cidade onde uma pequena feira está acontecendo. Uma banda toca. Homens e mulheres se abraçam e dançam bem devagarinho, felizes, debaixo das estrelas. Crianças correm e riem. Da distância do carro, Springsteen contempla toda a vida e felicidade. E então: Algo nele se abre. Como ele escreve, nesse momento sua vida como "um observador... distante da bagunça normal de viver e amar, revela seu custo para mim." Após todos esses anos, ele ainda não sabe exatamente por que ele caiu em um abismo naquela noite. "Tudo o que eu sei é que conforme envelhecemos, o peso da nossa bagagem desarrumada se torna mais pesada... muito mais pesada. Com cada passagem de ano, o preço da nossa refusa por fazer essa arrumação cresce mais e mais... Há muito tempo atrás, as defesas que eu construí para suportar o estresse da minha infância, para salvar o que eu tinha de mim mesmo, duraram mais tempo do que sua utilidade, e eu me tornei um abusador dos seus poderes, que por algum tempo eram salvadores de vida. Eu confiei neles de maneira errada para me isolar, selar minha alienação, me isolar da vida, controlar os outros, e conter minhas emoções para um grau prejudicial. Agora o cobrador está batendo na porta, e seu pagamento será em lágrimas."
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Foto:Alexi Lubomirski |
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Quase uma década após aquela noite no Texas, Springsteen está em sua casa em Los Angeles. Ele está vivendo com Patti Scialfa, e eles estão a dias de dar as boas vindas ao seu primeiro filho, Evan. É manhã, e alguém bate na porta: seu pai. Springsteen convida-o para entrar, e ele e seu pai se sentam na mesa. É aqui, em sua casa, que seu pai conta para ele. "Você tem sido muito bom com a gente." Springsteen não tem palavras. Só consegue acenar com a cabeça. Então seu pai diz, "E eu não fui muito bom com você."
"Foi," Springsteen diz no show, "o melhor momento da minha vida, com meu pai. E foi tudo o que eu precisava... Aqui nos últimos dias antes de eu me tornar pai, meu próprio pai estava me visitando, pra me alertar dos erros que ele cometeu, e pra me alertar de não cometê-los com meus filhos. Para libertá-los das correntes de nossos pecados, os do meu pai e meus, que eles talvez sejam livres de fazer suas próprias escolhas e viver suas próprias vidas." Mais tarde na vida de seu pai, Springsteen recebeu uma resposta que o deu uma visão ainda mais profunda. Ele aprendeu que todas aquelas noites em que Doug Springsteen sentava sozinho, pensando, quieto, na escuridão da cozinha, ele era um homem perdido. Um homem que seria diagnosticado como um esquizofrênico paranóico. O diagnóstico deu a Springsteen contexto para sua infância. Mas também deu a ele um novo medo.
Como Springsteen me confessa, "Eu cheguei perto suficiente de [doença mental] onde eu sabia que não estava completamente bem comigo mesmo. Eu tive que lidar muito com isso ao longo dos anos, e eu tomo uma variedade de medicações que me mantém em equilíbrio; caso contrário eu posso mudar drasticamente e... simplesmente... posso sair um pouquinho do trilho.
"Eu cheguei perto suficiente de [doença mental] onde eu sabia que não estava completamente bem comigo mesmo."
Há vinte anos, na primavera, seu pai faleceu aos setenta e três anos em um hospício, nos braços de Adele. No dia de seu funeral, após um padre finalizar suas orações no túmulo da família em Freehold, Springsteen mandou embora os presentes e permaneceu com apenas alguns amigos e chegados. Então ele pegou uma pá e moveu cada pedaço de sujeita que restou no túmulo do pai.
Isso é bastante bíblico, o que você fez, eu digo a ele. Enterrando o corpo de seu pai com suas próprias mãos.
"Eu queria aquela conexão," ele diz. "Significou muito pra mim."
Eu pergunto: Você será enterrado ali, também? No pedaço da família no cemitério de Santa Rosa de Lima?
Ele olha para o vidro, pausa. E então vem a curta risada. "Essa é uma boa pergunta. E eu tenho me perguntado essa questão em uma variedade de ocasiões. Vou acabar ali? Eu não sei. Eu acho que vou estar... Eu acho que vou me espalhar por ai um pouco. Talvez um pouco no oceano. [Risadas] Um pouco na cidade. Aqui e ali."
Há algo que seu pai nunca te disse que você queria que ele tivesse dito? Houveram palavras não ditas?
"Bem," Springsteen diz, "ele nunca disse 'Eu te amo'".
Nunca?
"Não. Ele nunca chegou a isso."
Nem mesmo no leito de morte?
"Não."
Isso te machuca?
Springsteen faz nova pausa e olha de volta para a direção do espelho. Então: "Não. Por que (A) - Eu sei que ele me amava. E (B) - Não era o repertório dele. Então ele me mostrou que ele me amava, em muitas ocasiões. Então estava tudo bem. Meu pai era tão não-verbal que... ele chorava sempre que ele saía. Quando você dizia, 'Eu preciso ir agora, Pai' - bum! - lágrimas. Mais tarde na vida, nos últimos dez anos, ele era visivelmente emocional."
Eu digo a ele que há uma frase no show onde ele diz sobre seu pai, "Se eu tivesse um desejo, ah, cara, seria ele estar aqui para ver isso" — e então eu pergunto, há algo que você queria ouvir dele?
Springsteen fica em silêncio. Então: "Honestamente, eu gostaria que ele me visse do jeito que eu sou. Isso foi o que eu sempre estava correndo contra. Ele não conseguia ver quem eu era. Quero dizer, é isso o que suas crianças querem de você — você é a plateia. Eu percebi isso muito cedo na vida dos meus filhos. Esse é o papel natural das coisas. Então em algum lugar dentro de mim, eu ainda quero que meu pai seja minha plateia. E quero que ele seja meu. Desejo uma compreensão mais profunda de quem nós dois éramos.
Springsteen me diz que encontrou propósito através de seus filhos. Ele é pai de dois filhos e uma filha: Evan, vinte e oito, trabalha para a SiriusXM; Sam, vinte e quatro, é um bombeiro em Nova Jérsei; e Jessica, vinte e seis, é uma amazona. Ele diz que prometeu a si mesmo há muito tempo que ele não perderia seus filhos do jeito que seu pai o perdeu. Grande parte da sua luta para se tornar um bom pai tinha a ver com a mágoa e a raiva que ele tinha de superar. Ele estava lutando o que ele chamava "o pior do meu comportamento destrutivo". Seu pai enviou-o uma mensagem que uma mulher, uma família, enfraquece um homem. Como ele diz. por anos a ideia de um lar o enchia "com desconfiança e um balde de dor."
Ele dá os créditos para Scialfa, sua esposa há vinte e sete anos, por inspirá-lo a ser um homem melhor, por salvá-lo. ("Por sua inteligência e amor ela me mostrou que nossa família era um sinal de força, que nós eramos formidáveis e poderíamos nos comprometer e aproveitar muito do mundo.") Não é de se admirar que ele a traga para o centro do show e faça duetos com ela em "Tougher Than The Rest" assim como "Brilliant Disguise". Você lê seu livro e vê a sabedoria e sensitividade que ela trouxe para o relacionamento deles. Foi Scialfa quem, quando as crianças eram pequenas, foi até o Bruce, a criatura desde sempre noturna, e diz, "Você vai perder." O quê? Ele pergunta. "As crianças, a manhã, é a melhor hora, é quando eles mais precisam de você." Corte para: Bruce, se refazendo como um pai de café da manhã. "Fosse toda essa coisa de música para o sul, eu estaria apto a manter um emprego das cinco às onze da manhã em qualquer restaurante na América. Alimentar suas crianças é um ato de grande intimidade, e eu recebi minhas recompensas: os sons de garfos se chocando nos pratos, torradas pulando da torradeira."
E aí está: Bruce, não mais o filho da escassez mas o pai da abundância, reivindicando a cozinha por sua família; transformando-se de uma fortaleza de trevas e silêncio em uma terra de brilho, cheia de sons de vida. Sentado aqui comigo agora, falando sobre sua ninhada, ele irradia alegria. Um pai, orgulhoso dos filhos, grato. Pergunto a ele, considerando o ambiente atual, que tipo de conversas ele e sua família estão tendo em volta da mesa da cozinha; o que significa ser um homem hoje na sociedade.
"Minhas crianças... somos sortudos. Eles são cidadãos sólidos."
Mas o que você diria se tivesse que dar um conselho para alguém criando filhos hoje?
"Esteja presente. Esteja lá. Se eu tenho algum conselho pra dar, é esse. Quero dizer, você tem que estar totalmente presente em mente, espírito e corpo. E você não tem que fazer nada. [Risadas] Quero dizer, você tem muito crédito só por aparecer. Só por estar presente, você os guia. Meus filhos estão passando para a vida adulta. Mas eu descobri que minha presença ainda carrega um grande peso — naquela rara ocasião agora quando algum deles realmente me perguntam algo. [Risadas]"
"Esteja presente. Esteja lá. Se eu tenho algum conselho pra dar, é esse. Quero dizer, você tem que estar totalmente presente em mente, espírito e corpo. E você não tem que fazer nada. [Risadas] Quero dizer, você tem muito crédito só por aparecer. Só por estar presente, você os guia. Meus filhos estão passando para a vida adulta. Mas eu descobri que minha presença ainda carrega um grande peso — naquela rara ocasião agora quando algum deles realmente me perguntam algo. [Risadas]"
Eu o pergunto o que define as qualidades que fazem um bom homem hoje.
"Eu tenho dois bons homens. E eu diria que suas qualidades são, eles são sensitivos. Eles respeitam os outros. Eles não estão presos em uma sensibilidade anos cinquenta de masculinidade, que eu tive de lidar. Consequentemente, suas atitudes em relação as mulheres e ao mundo são livres desses arquétipos, e isso os libera para serem quem eles são e ter relacionamentos mais profundos e significativos. Eles se conhecem muito bem, o que é algo que não posso dizer de mim quando tinha a idade deles. Eles sabem — e podem demonstrar — amor. E eles sabem como receber amor. Eles sabem o que fazer com seus problemas. Acho que eles tem um senso do processo de como trabalhar em si mesmos, o que certamente é algo que eu não tinha aos vinte e cinco. Essas são as coisas que sou orgulhoso dos meus garotos. Eles são bem diferentes da minha geração."
E a sua filha, que está navegando um mundo que teve um renascimento da misoginia — você e Patti conversam com ela sobre isso?
"Ela aprendeu bastante, mesmo com os poucos relacionamentos sérios que ela teve. E o que eu notei? Parece pra mim que as mulheres hoje em dia aprendem muito mais rápido. Ela veio com um conjunto de ferramentas que — e eu tenho de dar o maior crédito para Patti, por que Patti esteve muito mais afinada com as crianças todo o tempo — permitiram ela fazer seu próprio caminho no mundo de maneira muito consciente. Consequentemente, há muita besteira que ela não tolera. Minha filha — ela é bem durona. Ela está em um esporte duro. Ela é fisicamente muito corajosa, muito forte, e mentalmente muito, muito dura. Isso veio da Patti. Patti era muito independente. Então ela tem uma independência feroz que a serviu muito bem."
Uma "independência feroz". Gostei dessa.
"Sim" [Risos]
Há bastante barulho agora sobre o que é ser um homem.
"Meus filhos não estão confusos com isso."
Se você tivesse que dizer, 'Aqui estão as qualidades que você deve procurar incutir em seu pequeno jovem," o que você diria?
"O engraçado é... se você está presente desde que eles são jovens e você se comporta razoavelmente bem, eles pegam vários de seus hábitos saudáveis. E essa discussão acontece implicitamente. Pelo seu comportamento em casa e como você trata seu parceiro e o que eles vêem. Eu de jeito nenhum tenho sido perfeito. Mas se você dá uma apresentação razoável de si mesmo, várias coisas ocorrem implicitamente.
Por que tantos homens, sejam eles de sessenta e cinco ou vinte e cinco, se recusam a assumir responsabilidade por suas ações?
Springsteen suspira. "Eu voltaria para o DNA. Se você cresce em uma casa onde as pessoas estão recusando tomar responsabilidades por suas vidas, você provavelmente recusará. Você vai se ver como uma vítima profissional. E uma vez que isso está preso em você, é preciso muita autoconsciência, muito trabalho pra sair dessa. Estou chocado com o número de pessoas que eu conheço que se encaixam nessa categoria. E isso não tem nada a ver com sucesso ou não. É apenas sua bagagem. Então isso é importante passar para suas crianças: Eles tem que assumir responsabilidades por quem eles são, suas ações, o que eles fazem. Eles tem que ser donos de suas vidas.
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Tem algum, eu pergunto, código pelo qual você vive?
"Eu nunca tentei articular isso, para ser honesto. As qualidades que minha mãe tem são aquelas que eu tentei cultivar em mim. Então o que eu digo? Bondade, um certo tipo de gentileza que é cingido pela força. Atenção, o que é muito difícil para um narcisista como eu entregar diariamente. Eu tenho que contornar meu próprio envolvimento, que é uma das características naturais do artista. Se eu tivesse que dizer alguma coisa, eu diria, 'Eu sou firme, honesto e verdadeiro.'"
Firme, honesto e verdadeiro. Se esse é o seu lema, também representa as qualidades que seus fãs projetam nele. Esses são os valores que Springsteen parece incorporar que criam tamanha ligação com seu público. Por causa disso, eles acreditam que ele os conhecem. E dá voz aos seus sofrimentos, assim como ao seus 'melhores eus' que eles aspiram serem. Mas ele também buscou, especialmente na segunda metade de sua carreira, escrever músicas que falasse com questões sociais e de classe. Ele sempre reverenciou cantores folk como Woody Guthrie e Pete Seeger, e por volta da época em que ele publicou seu álbum The Ghost Of Tom Joad (1995), ele começou a se esforçar para criar canções que encontrassem a interseção entre "The River" e "This Land Is Your Land". Um lugar onde, como ele diz, "o político e o pessoal se unem para derramar água limpa no rio lamacento da história."
Eu digo a ele, No seu livro, você escreve isso sobre a América: "Pavor — a sensação de que as coisas podem não dar certo, que o terreno moral foi varrido debaixo de nós, que o sonho que tínhamos de nós mesmos tenha sido contaminado e o futuro será para sempre incerto — estava no ar." Eu falo: O que é estranho é que você não está descrevendo o humor do país em 2018; isso é você escrevendo sobre o país em 1978, quarenta anos antes, naquele tempo você escreveu Darkness On The Edge of Town. Ainda que essas palavras pareçam descrever o país hoje em dia. Você acha que a América está pior ou melhor? "Eu não acho que está melhor."
Você acha pior?
"Bem, acho que quarenta anos ou mais tornaria-a pior. Eu sinto que as pessoas se sentem cercadas, e ás vezes por razões que eu não concordo e que são infelizes. Como eu digo, qualquer seja a cara da nação ou... Acho que aquelas pessoas se sentem legitimamente sob cerco. Sua forma de vida é de alguma forma ameaçado — é ameaçado existencialmente. E talvez isso explique Trump ou talvez não, mas... isso sempre foi uma parte da história Americana. Continua sendo parte hoje em dia. No tempo que eu escrevi essas músicas, suponho que era muito do que eu observava ao meu redor."
Chega um momento no show, antes de ele cantar "The Ghost Of Tom Joad", canção inspirada pelo filme de John Ford "As Vinhas da Ira", adaptação do livro de John Steinbeck, quando ele dá uma bela reflexão de como sagrada ele sente que é a democracia. Ele conta como "esses são tempos quando vemos pessoas marchando, e nos postos mais altos da nossa terra, que querem invocar nossos anjos mais sombrios, que querem invocar os fantasmas mais feios e mais divisivos do passado da América. E eles quem destruir a ideia de uma América para todos. Essa é a intenção deles."
Pergunto a ele: Quem são "eles"?
"Bem, eu estaria falando sobre o nosso presidente. Provavelmente o número um. Ele não tem interesse em unir o país, realmente, e na verdade tem o interesse em fazer o oposto e dividir a gente, o que ele faz quase que diariamente. Então isso é simplesmente um crime contra a humanidade, até onde eu sei. É uma péssima, péssima mensagem para se mandar ao mundo se você está nesse cargo e nessa posição. É uma feia, horrível mensagem. Você está intencionalmente tentando privar uma larga porção de Americanos. Quero dizer, você está... é imperdoável. E então há a ascensão da — seja a direita-alternativa ou o pessoal marchando em Charlottesville com suas tochas e tudo aquilo vindo a tona novamente, sabe? Que nosso presidente estava mais do que feliz em dar suporte. Então esse pessoal que investem em negar a ideia de uma América unida e para todos. É um momento crítico. Isso veio para a superfície, e é tão tóxico. E parece ser tão poderoso... na vida de muitas pessoas no momento. É um momento assustador para qualquer Americano consciente, eu acho."
E se você pudesse, eu pergunto, fazer um pedido aos cidadãos desse país agora, qual seria?
Um longo silêncio se segue. Springsteen se volta para o espelho e ao mesmo tempo, puxa os dois pés de botas para a beira do sofá. Ele lembra um homem agachado ao lado de uma fogueira, observando as chamas. "Eu acho que muito do que está acontecendo é uma grande grupo de pessoas amedrontadas pela mudança de rosto da nação. Parece ser muito medo. Os pais fundadores eram muito bons em confrontar seus medos e os medos do país. É o velho clichê onde os gênios construíram o sistema para que até um idiota pudesse operar. Nós estamos testando essa teoria no momento. Acredito que sobreviveremos ao Trump. Mas eu não sei se eu vejo uma figura unificante no horizonte. Isso me preocupa. Por que o partidarismo e o país sendo divididos ao meio é algo que é gravemente perigoso. Para voltar para sua questão, qual seria meu desejo? [Suspiros] É uma coisa brega, mas: Deixem as pessoas se verem como Americanas primeiro, que os princípios básicos do país possam ser seguidos, seja a equidade ou justiça social. Vamos dar outra chance às pessoas."
No show, Springsteen proporciona muitos momentos para risadas. Ele é um ator natural. Ele também é bom em construir a intensidade de uma história — ou, se ele tem que, diminuí-la, como ele faz ao final de um longo trecho fazendo piada, "Eu vou parar pra vocês não tentarem suicídio." Mas enquanto eu me preparo para o final do nosso encontro, me pego pensando que ele talvez possa estar se escondendo da vista dos outros. Eu penso sobre sua discrição no seu segundo colapso, que desceu sobre ele alguns anos depois de ter completado sessenta anos. Foi uma escuridão que durou três anos; foi, ele escreve, "um ataque do que foi chamado uma 'depressão agitada.' Durante esse período, eu estava tão profundamente desconfortável em minha própria pele que eu só queria SAIR. Parece perigoso e traz muitos pensamentos indesejáveis... Morte e pressentimento eram tudo o que se esperava."
É a escrita de um homem desesperado para escapar de dor profunda. Então, quando eu vejo ele, pergunto: Você alguma vez tentou tirar sua vida? "Não, não, não."
Mas você já considerou suicídio?
"Uma vez eu me senti mal pra dizer, 'Eu não sei se eu consigo viver assim.' Era como..." Ele pausa por um momento. Então: "Uma vez eu entrei dentro de um tipo de caixa que eu não pude encontrar o caminho da saída e onde os sentimentos eram tão esmagadoramente desconfortáveis."
Foi durante seu primeiro colapso?
"Não. Isso foi a 'depressão agitada'. Eu falo sobre no livro, onde sentimentos se tornaram tão esmagadoramente desconfortáveis que eu simplesmente não poderia encontrar um pedaço de chão para ficar de pé, onde eu poderia ter um senso de paz." Enquanto ele me diz isso, ele leva as mãos para ambos os lados de seu rosto, emoldurando como antolhos em um cavalo, como se tentasse demonstrar aquele pequeno quadrado de um espaço seguro. Tentando enxergar. Então ele diz, ainda segurando as mãos na cabeça: "Eu não tive nenhuma paz interior." Era um estado de maníaco, e era tão profundamente emocional e espiritual e fisicamente desconfortável que a única coisa que eu dizia era 'Caramba, eu não sei, cara...'"
A voz de Springsteen se arrasta e ele lentamente volta as mãos para seu colo. Por um momento, nenhum de nós diz nada. Então eu quebro o silêncio: Você achou que deveria ser hospitalizado?
"Ninguém estava dizendo que eu deveria ser..." Springsteen me dá um sorriso irônico. "Eu tive um par de bons médicos. Mas, infelizmente, era Agosto. Nessa época eles decolam". Springsteen solta uma de suas roucas e curtas risadas. "Tudo que me lembro era me sentir muito muito mal e pedindo por ajuda. Eu devo ter chegado perto disso e por um breve, breve período de tempo. Durou por — eu não sei. Olhando para trás agora, eu não posso dizer. Foi por algumas semanas? Um mês? Durou mais? Mas foi um feitiço muito ruim, e simplesmente chegou... Mais uma vez — DNA. E chegou da raíz da qual eu saí, particularmente do lado do meu pai, onde eu tive que lidar com o fato de que eu também tinha coisas dentro de mim que poderiam me levar a esses lugares ruins."
Eu digo a ele, No seu livro, você escreve isso sobre a América: "Pavor — a sensação de que as coisas podem não dar certo, que o terreno moral foi varrido debaixo de nós, que o sonho que tínhamos de nós mesmos tenha sido contaminado e o futuro será para sempre incerto — estava no ar." Eu falo: O que é estranho é que você não está descrevendo o humor do país em 2018; isso é você escrevendo sobre o país em 1978, quarenta anos antes, naquele tempo você escreveu Darkness On The Edge of Town. Ainda que essas palavras pareçam descrever o país hoje em dia. Você acha que a América está pior ou melhor? "Eu não acho que está melhor."
Você acha pior?
"Bem, acho que quarenta anos ou mais tornaria-a pior. Eu sinto que as pessoas se sentem cercadas, e ás vezes por razões que eu não concordo e que são infelizes. Como eu digo, qualquer seja a cara da nação ou... Acho que aquelas pessoas se sentem legitimamente sob cerco. Sua forma de vida é de alguma forma ameaçado — é ameaçado existencialmente. E talvez isso explique Trump ou talvez não, mas... isso sempre foi uma parte da história Americana. Continua sendo parte hoje em dia. No tempo que eu escrevi essas músicas, suponho que era muito do que eu observava ao meu redor."
Chega um momento no show, antes de ele cantar "The Ghost Of Tom Joad", canção inspirada pelo filme de John Ford "As Vinhas da Ira", adaptação do livro de John Steinbeck, quando ele dá uma bela reflexão de como sagrada ele sente que é a democracia. Ele conta como "esses são tempos quando vemos pessoas marchando, e nos postos mais altos da nossa terra, que querem invocar nossos anjos mais sombrios, que querem invocar os fantasmas mais feios e mais divisivos do passado da América. E eles quem destruir a ideia de uma América para todos. Essa é a intenção deles."
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Pergunto a ele: Quem são "eles"?
"Bem, eu estaria falando sobre o nosso presidente. Provavelmente o número um. Ele não tem interesse em unir o país, realmente, e na verdade tem o interesse em fazer o oposto e dividir a gente, o que ele faz quase que diariamente. Então isso é simplesmente um crime contra a humanidade, até onde eu sei. É uma péssima, péssima mensagem para se mandar ao mundo se você está nesse cargo e nessa posição. É uma feia, horrível mensagem. Você está intencionalmente tentando privar uma larga porção de Americanos. Quero dizer, você está... é imperdoável. E então há a ascensão da — seja a direita-alternativa ou o pessoal marchando em Charlottesville com suas tochas e tudo aquilo vindo a tona novamente, sabe? Que nosso presidente estava mais do que feliz em dar suporte. Então esse pessoal que investem em negar a ideia de uma América unida e para todos. É um momento crítico. Isso veio para a superfície, e é tão tóxico. E parece ser tão poderoso... na vida de muitas pessoas no momento. É um momento assustador para qualquer Americano consciente, eu acho."
E se você pudesse, eu pergunto, fazer um pedido aos cidadãos desse país agora, qual seria?
Um longo silêncio se segue. Springsteen se volta para o espelho e ao mesmo tempo, puxa os dois pés de botas para a beira do sofá. Ele lembra um homem agachado ao lado de uma fogueira, observando as chamas. "Eu acho que muito do que está acontecendo é uma grande grupo de pessoas amedrontadas pela mudança de rosto da nação. Parece ser muito medo. Os pais fundadores eram muito bons em confrontar seus medos e os medos do país. É o velho clichê onde os gênios construíram o sistema para que até um idiota pudesse operar. Nós estamos testando essa teoria no momento. Acredito que sobreviveremos ao Trump. Mas eu não sei se eu vejo uma figura unificante no horizonte. Isso me preocupa. Por que o partidarismo e o país sendo divididos ao meio é algo que é gravemente perigoso. Para voltar para sua questão, qual seria meu desejo? [Suspiros] É uma coisa brega, mas: Deixem as pessoas se verem como Americanas primeiro, que os princípios básicos do país possam ser seguidos, seja a equidade ou justiça social. Vamos dar outra chance às pessoas."
"Ele [Donald Trump] não tem interesse em unir o país."
No show, Springsteen proporciona muitos momentos para risadas. Ele é um ator natural. Ele também é bom em construir a intensidade de uma história — ou, se ele tem que, diminuí-la, como ele faz ao final de um longo trecho fazendo piada, "Eu vou parar pra vocês não tentarem suicídio." Mas enquanto eu me preparo para o final do nosso encontro, me pego pensando que ele talvez possa estar se escondendo da vista dos outros. Eu penso sobre sua discrição no seu segundo colapso, que desceu sobre ele alguns anos depois de ter completado sessenta anos. Foi uma escuridão que durou três anos; foi, ele escreve, "um ataque do que foi chamado uma 'depressão agitada.' Durante esse período, eu estava tão profundamente desconfortável em minha própria pele que eu só queria SAIR. Parece perigoso e traz muitos pensamentos indesejáveis... Morte e pressentimento eram tudo o que se esperava."
É a escrita de um homem desesperado para escapar de dor profunda. Então, quando eu vejo ele, pergunto: Você alguma vez tentou tirar sua vida? "Não, não, não."
Mas você já considerou suicídio?
"Uma vez eu me senti mal pra dizer, 'Eu não sei se eu consigo viver assim.' Era como..." Ele pausa por um momento. Então: "Uma vez eu entrei dentro de um tipo de caixa que eu não pude encontrar o caminho da saída e onde os sentimentos eram tão esmagadoramente desconfortáveis."
Foi durante seu primeiro colapso?
"Não. Isso foi a 'depressão agitada'. Eu falo sobre no livro, onde sentimentos se tornaram tão esmagadoramente desconfortáveis que eu simplesmente não poderia encontrar um pedaço de chão para ficar de pé, onde eu poderia ter um senso de paz." Enquanto ele me diz isso, ele leva as mãos para ambos os lados de seu rosto, emoldurando como antolhos em um cavalo, como se tentasse demonstrar aquele pequeno quadrado de um espaço seguro. Tentando enxergar. Então ele diz, ainda segurando as mãos na cabeça: "Eu não tive nenhuma paz interior." Era um estado de maníaco, e era tão profundamente emocional e espiritual e fisicamente desconfortável que a única coisa que eu dizia era 'Caramba, eu não sei, cara...'"
A voz de Springsteen se arrasta e ele lentamente volta as mãos para seu colo. Por um momento, nenhum de nós diz nada. Então eu quebro o silêncio: Você achou que deveria ser hospitalizado?
"Ninguém estava dizendo que eu deveria ser..." Springsteen me dá um sorriso irônico. "Eu tive um par de bons médicos. Mas, infelizmente, era Agosto. Nessa época eles decolam". Springsteen solta uma de suas roucas e curtas risadas. "Tudo que me lembro era me sentir muito muito mal e pedindo por ajuda. Eu devo ter chegado perto disso e por um breve, breve período de tempo. Durou por — eu não sei. Olhando para trás agora, eu não posso dizer. Foi por algumas semanas? Um mês? Durou mais? Mas foi um feitiço muito ruim, e simplesmente chegou... Mais uma vez — DNA. E chegou da raíz da qual eu saí, particularmente do lado do meu pai, onde eu tive que lidar com o fato de que eu também tinha coisas dentro de mim que poderiam me levar a esses lugares ruins."
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E quando você vê alguém como Anthony Burdain, você consegue entender como aquilo acontece?
"Bem, eu tive um amigo muito, muito chegado que cometeu suicídio. Ele era como um filho mais velho para mim. Eu era seu mentor. E ele ficou muito, muito doente. Eu sempre digo, Bem, alguém estava num lugar ruim, e eles simplesmente são pegos na chuva. Outra noite, de outro jeito, com alguma outra pessoa lá... talvez não acontecesse." Ele pausa. "Eu não conheço ninguém que tenha explicado satisfatoriamente os momentos que levaram a alguém tomar essa ação. Então eu posso entender como acontece? Sim. Eu acho que eu senti o suficiente para me desesperar — a dor fica muito grande, a confusão fica muito grande e essa é a sua saída. Mas eu não tenho nenhuma grande visão sobre isso, e falando a verdade, nunca encontrei alguém que tivesse."
Você sente que, pelo menos, encontrou o seu verdadeiro eu?
"Você nunca chega lá. Ninguém chega. Você se torna mais você mesmo a medida que o tempo passa... No arco da sua vida, existem tantos lugares onde você alcança marcos que adicionam para sua autenticidade e sua apresentação de quem você realmente é. Mas ainda me vejo lutando por coisas óbvias que eu deveria ter resolvido há muito tempo. Você sabe, quando eu chego naqueles lugares onde eu não estou muito bem, eu perco o trilho de quem eu sou... A única coisa na vida que eu tenho certeza é: Se você acha que conseguiu, você não conseguiu!"
Eu digo a ele que quero pausar um momento, pois algumas pessoas podem dizer, "Do que você está falando? Você é o Chefe BRUCE SPRINGSTEEN! Como você não sabe quem você é?"
"Ahh." Springsteen ri e solta um suspiro. Ele deixa o queixo cair sobre o peito e então ri e levanta a cabeça. "Chefe BRUCE SPRINGSTEEN" é uma criação. Então, é um pouco líquido — mesmo — embora hoje em dia você imaginaria que eu tenho isso bem resolvido. Mas às vezes não necessariamente. [Risos] E pessoalmente — você está em busca de coisas como todo mundo. Identidade é uma coisa escorregadia não importa quanto tempo tenha passado. Partes de si mesmo podem aparecer — como, ah, quem era aquele cara? Ah, ele está em um carro com alguém, mas ele não mostra sua cabeça com muita frequência, pois ele era tão ameaçador para sua estabilidade. No final do dia, identidade é uma construção que construímos para nos sentirmos à vontade e em paz e razoavelmente estáveis no mundo. Mas ser não é uma construção. Ser é apenas ser. Em sendo, há uma variedade inteira de coisas selvagens e indomáveis que permanecem em nós. Você esbarra nelas pela noite e pode se assustar."
Pergunto a ele se ele passou a vida tentando amar aquele garoto que seu pai negou.
"Aqueles foram grandes momentos que tive através da minha análise. Eu me via como uma criança e experimentei minha própria inocência e percebi, Meu Deus, eu era tão frágil. Eu era tão fácilmente quebrável e descartável. Meu pai me ensinou a odiar aquela pessoa. Então levou um tempo até eu fazer as pazes com quem eu era. Aquilo era muito do que eu estava fazendo enquanto tocava — tentar chegar a um lugar onde eu poderia me levantar sozinho. [Risadas] Eu estava apenas desenvolvendo um eu que me permitir viver comigo mesmo de um jeito que a auto-aversão não me permitia. Essa é apenas uma parte do meu DNA. Me saio muito melhor agora, mas é uma luta continua.
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"Eu estava bem nos meus quarentas até eu descobrir isso. Não sei como descrever [aquele colapso] a não ser que você ache que está vendo tudo de si mesmo, e então é como um dedo cutucasse esse limite na sua frente e de repente um pequeno tijolo caísse, e você olhasse por dentre [a parede], e você vai, Meu Deus — há esse outro mundo inteiro lá dentro que eu nunca vi. E muito disto, você tem vivido — Eu não sei como descrever — um universo cruel, e é apenas um pequeno raio de luz que permite que você veja mais da sua experiência e existência. [Pausa] Quer dizer, o que você está fazendo na análise? Você está tentando pegar todo esse mal-entendido e repugnância, e você está tentando tornar isso em amor — o que é uma coisa maravilhosa que acontece quando você está tentando fazer música de coisas duras, difíceis, coisas ruins. Você está tentando transformá-las em amor. Então junto com este esforço veio a realização, através de muitos estudos e análises, de quão duro eu tinha sido comigo e continuei a ser até muito tarde na vida."
Eu digo a ele que estou pensando em suas frases em "The Promised Land" / "A Terra Prometida" — "Às vezes eu me sinto tão fraco que eu só quero explodir... pegue uma faca e corte essa dor do meu coração..." — e como por anos eu pensava que a música fosse sobre uma desilusão amorosa de perder uma mulher.
"É sobre fraqueza existencial e tentar o seu melhor para transcendê-la."
E a frase "as mentiras que tem deixam sem nada a não ser perdido e de coração partido?"
"Todo mundo carrega essas coisas consigo. É uma frase que sempre penetra. Continua penetrando em mim toda noite que eu a canto."
Você está me fazendo ver que "The Ties That Bind" não é uma história de amor mas sobre o laço do DNA familiar que você não pode escapar.
"Os laços de sua família pessoal, mas também os laços que você não pode quebrar entre sua comunidade e seus concidadãos. Você não pode abandonar essas coisas. Vai apodrecer seu núcleo no final do dia. Se você quer ver alguém assim — olhe para o Trump. Ele tem abandonado muitas dessas coisas, e afetou ele. Ele está profundamente danificado em seu núcleo."
Por que ele abandonou os laços?
"Absolutamente. Por isso ele é perigoso. Qualquer um naquela posição que não tenha sentido profundamente esses laços é um homem perigoso, e é muito lamentável."
Então eu digo que estou pensando sobre "Born to Run", que contém quatro palavras em uma frase que são a soma dele: tristeza, amor, loucura e alma. "Juntos, Wendy, nós podemos viver com a tristeza / Eu te amarei com toda a loucura da minha alma."
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"Essas são minhas falas. 'Born to Run'. Esse é o meu epitáfio, se você que conhecer meu epitáfio. Ali está ele. Ainda o é provavelmente — eu uso a música no final do show toda noite como um resumo. A ideia é que contenha tudo o que veio antes. E eu acredito que contém.
Tristeza, amor, loucura, alma. Eu digo a ele: Estes são seus quatro elementos.
"O último verso é a minha melhor música. E é aí que deve acabar toda noite. Tinha vinte e quatro quando escrevi. Uau. É um... resume muito bem. Mas eu... Era naquilo que eu estava apontando naquele tempo — era por causa disso que eu estava atirando.
Digo a Springsteen que antes de eu ir, tenho uma última questão. No livro, ele fala sobre como, quando ele tinha dezenove anos, ele e seus amigos carregaram um caminhão com todas as suas coisas e deram tchau para Freehold. No entanto, alguns anos depois, aprendemos que Springsteen, enquanto namorando uma mulher com uma pequena filha, havia dado para a garota o cavalo de balanço que ele tanto amava quando garoto.
"Ah," Springsteen diz, um olhar de felicidade aparece em seus olhos, "meu cavalo de balanço."
Isso. Mas aqui está a imagem que eu não consigo entender — você é o rei da cocada preta, um adolescente de dezenove anos, abandonando sua cidade natal com seus amigos. Deitado na traseira de um caminhão com uma guitarra e uma mochila. E você está me dizendo que tinha o seu cavalo de balanço com você?
Springsteen olha pra mim como se eu estivesse louco. "Bem, era a única coisa que eu tinha da minha infância."
Ele me conta que anos após dar o cavalo para a garota, ele rastreou a mãe e pediu para devolvê-lo. A mulher, entretanto, tinha se livrado dele. Ele pausa. Eu pergunto a ele se ele carregou alguma outra coisa com ele de sua infância, e ele me diz como quando ele estava crescendo, havia um carrossel no calçadão de Asbury Park que ele montava quando criança. "Tinha um braço e no fim dele, tinha um anel de ouro. Se você pegasse, você conseguia uma volta grátis. Eu costumava enlouquecer por que nunca conseguia alcançar os anéis. Eu montei umas mil vezes. Mas então uma noite antes eu estava para publicar meu primeiro disco — Eu me lembro da noite... Eu entrei no carrossel e bingo! Eu peguei o anel de ouro."
Onde ele está agora? Eu pergunto.
"Eu guardo no meu escritório, em casa. E o resto é história."
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