Próximos do Chefe

A decisão de dividir suas intimidades e o gosto pela sétima arte vêm deixando os fãs cada vez mais próximos do Chefe e seus personagens.



As composições de Springsteen narram a vida cotidiana em seus dramas, dificuldades e alegrias, o que faz sua música ter uma conexão muito mais profunda com o público do que a maioria dos artistas modernos. Porém nos últimos anos, o cantor vem intensificando isso de forma nunca vista antes em sua carreira.

Mesmo em seu auge nos anos oitenta, o cantor era uma pessoa reservada e que, à parte de seus compromissos profissionais, não parecia aproveitar todos os holofotes que o seu trabalho poderia lhe proporcionar. Apesar de seus personagens estarem relacionados ao cidadão comum, ainda era difícil para seu público entender como eles se conectavam ao criador deles.

Só que essa janela que nos leva ao homem por trás da caricatura em cima do palco se abriu na última década da melhor maneira possível, talvez da maneira que o próprio cantor ache a mais agradável: por meio da arte.

Essa mudança pode ter começado quando Peter Ames Carlin resolveu escrever a biografia do cantor, história que ele contou quando veio ao Brasil divulgar o livro.

- Foi demorado. Logo no começo, pedi uma entrevista . Queria que Bruce soubesse quem eu era e o que eu estava tentando fazer. A resposta obviamente foi não. Por sorte, temos alguns amigos em comum e eles me explicaram o que isso realmente significava: "Se você precisa de uma resposta agora, é não. Mas se você puder esperar, significa talvez. Então se apegue ao 'talvez' e faça a pesquisa para o livro que você quer escrever".

De lá para cá, esses laços foram se encurtando por meio de livros, biografias, uma peça na Broadway e documentários, que nos mostram qual é "o combustível do fogo", fazendo principalmente o uso de imagens, ferramenta que o compositor utiliza muito em suas letras.

Antes de lançar sua autobiografia "Born to Run" em 2016 e sair em uma turnê de autógrafos pelos Estados Unidos, Bruce lançava "High Hopes" (2014). Durante sua turnê, Bruce e Thom Zimny, seu produtor audiovisual desde os anos 2000, gravaram o videoclipe da nona faixa do disco, chamada "Hunter Of Invisible Game".



A escolha dessa música foi surpreendente. Diferentemente dos personagens em que interpretou anteriormente em videoclipes, essa é a história de um sobrevivente do apocalipse, que é perseguido pelas lembranças do passado. Bruce e Thom queriam transformar essa valsa country em algo maior, repassar para o público algo que nosso ouvido ou imaginação não pudesse captar naqueles quatro minutos de áudio.

O vídeo começa com o personagem olhando fotos antigas da esposa e da filha, até que visões delas começam a aparecer na tela, como se nós próprios fossemos o sobrevivente. Em uma de suas jornadas, ele encontra um garoto perdido e o leva até o seu grupo.


É sobre aqueles viajantes no deserto, e o que o cara está tentando fazer? Ele está tentando se agarrar à humanidade deles em toda essa ruína. - Bruce Springsteen

Além da música e da atuação, Springsteen também participou da produção do video. O cantor passou o tempo todo na sala de edição, envolvido com o personagem e seus detalhes, como a bota, a jaqueta, a forma como ele coloca os óculos.




De repente, esses detalhes se reúnem, e com o Bruce é assim que você escreve um personagem. É assim que você consegue a aparência desse personagem. Esse personagem colocando os óculos não é um Bruce que reconheço e conheço pela música ou por trabalhar com ele há vários anos, mas esse era o personagem refletindo e olhando para o seu passado. - Thom Zimny

Outro exemplo dessa aproximação, agora mais para o lado pessoal, está na peça que Springsteen apresentou na Broadway em 2017, cujo início se teve na Casa Branca.

Nas últimas semanas do mandato de Obama, Springsteen deu um show acústico na Sala Oeste enquanto a família Obama dava uma festa para 250 convidados. Para Springsteen, que leva a sério todas as suas performances, foi um momento de avaliação. Ele cuidadosamente montou um setlist abrangendo sua carreira; ele iluminou as músicas com histórias e memórias de "Born to Run", a autobiografia que ele publicou em 2016.

Voltando de Washington para casa, Springsteen, sua mulher, Patti Scialfa, e seu empresário, Jon Landau, pensaram que mais pessoas deveriam viver aquela experiência. "O jeito que ele combina as palavras com as músicas que ele escolhe tocar soam como uma coisa bem simples", Landau diz. "Mas é uma performance artística de verdade".

O sucesso da peça fez ela virar um especial do Netflix. Ali, assim como em "Born to Run", a janela para o homem Bruce é escancarada. No livro, conhecíamos mais a cada capítulo. Em "Springsteen On Broadway" vamos conhecendo-o mais a cada canção enquanto a cronologia do show segue a cronologia de sua vida.


"O melhor momento da minha vida com meu pai" - Springsteen On Broadway (PT-BR) from Bruce Brasil on Vimeo.

Já em 2019, Bruce juntou a proximidade de seus personagens (como em Hunter Of Invisible Game) com a intimidade que nos proporcionou (por meio dos livros e da Broadway) e nos deu "Western Stars", onde o cantor se vestiu de caubói e interpretou um ator em declínio. No álbum, que virou documentário, Springsteen nos coloca no set de um faroeste onde mescla alguns temas do gênero, como o 'recomeçar' de Tucson Train, o 'destemor' do dublê em Drive Fast, a 'solidão' de uma cidade distante em Sundown, a traição e mentira de Stones, o amor em Moonlight Motel, com suas experiências pessoais: seu temperamento complicado, a dificuldade de mudá-lo e a luta contra a depressão.

A introdução da faixa título no documentário é um exemplo bom da dosagem entre o que é personagem e o que é Bruce Springsteen. Ele começa explicando quem é o caubói que interpreta e a partir do 1 minuto e 12 segundos ele já está se descrevendo.

Introdução de Western Stars (2019) from Bruce Brasil on Vimeo.


É dessa habilidade que eu falava no começo do texto, e que começou por volta do álbum "The River". Como o próprio cantor conta em "The Ties That Bind: O Documentário":

Eu comecei a morar nos personagens, com uma narrativa bem específica. Eu cantaria naquela voz, não era necessariamente eu. Era parte eu e parte outras pessoas. Foi ali que eu comecei a andar nos sapatos do personagem e tentar fazer meus ouvintes a andar neles por um tempo também.

Só que dessa vez, temos o privilégio de não só ouvir mas de assistir os personagens tomarem vida na nossa frente.

Agora que Bruce está percorrendo o caminho rumo aos oitenta anos, os dias de longos shows, subidas ao piano e (muito) suor estão acabando. Em contrapartida, graças ao seu gosto pela sétima arte, estamos conseguimos enxergar por completo a beleza de seus novos trabalhos. Uma nova porta foi aberta e pelo jeito aberta continuará.

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1 Comentários

  1. Amei lê o que aquu foi escrito. Pra sempre Bruce Springsteen. Maravilhoso.🎸🎶🤩

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